Em 2017 os grandes craques do Poker Brasileiro foram jogar o Poker Stars Championship na cidade de Barcelona. Tem sido comum vermos um número alto de brasucas jogando os torneios da série e nem mesmo o lamentável atentado ocorrido nas Ramblas, ponto turístico mais procurado da cidade das ruas diagonais, assustou os nossos representantes.

Já se vão quase 11 anos da primeira invasão pokerística brasileira em Barcelona e essa é a história que eu vou lhes contar, reapresentando um texto que publiquei aqui no SuperPoker no ano passado.

O que acontece na Europa…o meu EPT Barcelona

O ano é 2006, o Poker ainda engatinha no nosso país, o BSOP vive sua primeira temporada e ainda busca afirmação entre os adeptos do jogo. O Campeonato Paulista de Holdem registrou crescimento em relação a etapa anterior, sua primeira etapa nessa temporada foi disputada no saudoso clube Paradise, na capital Paulista, e rendeu um prêmio de mais de R$10.000 para o seu campeão, o carioca Michel Helal. O clima ainda era de confraternização e muitas risadas perto da máquina de Chopp, com jogadores saboreando o churrasco, incluído no valor do buy-in. O romantismo ainda era a marca registrada do Poker em terras brasileiras. Era bom, mas ficou melhor. Sem espaço para saudosismos.

Esse era o contexto onde eu, André Akkari e João Marcelo Lima, resolvemos ir a Barcelona e enfrentar o field do European Poker Tour. Virei jogador profissional em meados de 2005, Akkari um pouco depois e JM nunca o foi, apesar de ser muito melhor que a maioria do field. Acostumado com a parceirada de São Paulo e de Punta del Este, encarei a viagem como uma possibilidade de intercâmbio e aprendizado. Era óbvio que existia o sonho de cravar o EPT, se consagrar como jogador, mas era algo muito mais condizente com o clima de romantismo que imperava no nosso Poker àquela época do que uma hipótese concreta. Pelo menos para mim.

Um ogro de 1,94m e 170kg runna bem quando consegue um upgrade para classe executiva a preços competitivos em um vôo. Esqueça um out no river, bad beats e afins. Para mim a viagem para Barcelona começou da melhor maneira possível. Minhas intermináveis pernas e meu corpo esférico foram muito bem acomodados, a preço módico, no lugar do avião onde é possível pedir uma segunda cerveja sem receber o olhar furioso de reprovação da aeromoça. Barcelona era logo ali. Me senti o rei do mundo.

Chegando na metrópole catalã, descansado e sem dores de atleta de alto nível nos joelhos, estava pronto para ver se Barcelona estava pronta para mim. Era solteiro, jovem e com sede de curtir a vida (e ganhar bons pots). André e João ficaram em outro hotel, o time dos casados ficava longe do time dos solteiros. Deixei minhas coisas no quarto, tomei uma ducha e segui para o cassino de Barcelona. Naquela noite tínhamos um torneio de 30 Euros com Rebuy para jogar. A runnada boa da viagem começou a se dissipar pelo ar, e não foi nas mesas. O cassino não admitia que entrássemos de bermuda. O fim do verão espanhol, no meio de Setembro, não importava, era preciso estilo e elegância para jogar. Lá fui eu para o hotel. Calça colocada, era hora de voltar para o game. No trajeto, Manuel foi o taxista. Ele acabaria sendo meu guia na cidade das avenidas diagonais.

No Trintão com rebuy nada deu certo. Caí perto da bolha e sob fortes acusações de collusion de Tiozões Catalães. O motivo: dei um all-in de 3 blinds, o cidadão do big blind foldou. “Não tive culpa, meu senhor!” – Tentei argumentar. Foi em vão. Mãos depois, minha eliminação foi celebrada por aqueles nobres cavalheiros. Estava na Europa, mas o clima era de Libertadores. Era teste pra cardíaco, amigo. Como ainda era cedo, resolvi partir para a balada. Perto do cassino, a Catwalk era o melhor destino que se apresentava. Fui sozinho mesmo, mas meus cabelos longos -ai que saudade!- não fizeram muito sucesso. Liguei para o Manuel, que não gostava de ser chamado de Manolo, “Catalão não é espanhol” ele afirmava. Voltei para o hotel para dormir o sono dos justos. O dia seguinte seria de satélite para o Main Event do EPT.

Novamente a melhor parte do expediente foi na Catwalk, logo após a prematura eliminação, na mesa do Joe Hachem (não lembro a mão). Lá estavam Marcel Luske e Gus Hansen, curtindo a night, tomando gela e eu só pensando em porque diabos Hachem estava jogando o satélite para o evento principal de um European Poker Tour. A cabeleira longa e meu espanhol com sotaque portenho fizeram sucesso naquela noite.

Decidido a não jogar o Main Event, por falta de motivação (de dinheiro, na verdade), engatei numa reta online junto com João e Akkari, que entrariam no dia 1B do Main Event. Cheguei longe em alguns torneios, mas lembro de ter tomado duas bad beats, um AK vs AA e um 88 vs AA, e ter caído na semi-final de um torneio grande, no Party Poker. Fiquei revoltado. O horário da night estava perdido, a paciência também. Acabei dormindo no chão do quarto dos amigos, meio que me penitenciando e meio com preguiçã de voltar para o meu hotel. No dia seguinte, meu brother Manuelito me apresentou uma belíssima Paella em um chiringuito (espécie de quiosque) à beira-mar. Foi excelente. Sem nada para fazer, fui para as famosas Ramblas, conheci o Mercado St. Josep La Boqueria, o Mercadão Municipal deles. Tomei uma cerveja só e fiz amizade com os torcedores do Levski Sofia, o Levskão da massa, popular time búlgaro que enfretava o Barça pela Champions League. Nenhuma das búlgaras se interessaram pelo poker, e nem por mim, de maneira que acabou por ser uma amizade de verão, daquelas que a gente diz: “vamos nos falar depois, né” e nunca liga.

Eu havia ido lá para jogar Poker, e foi isso que eu fiz no dia seguinte, não sem antes ir para o rolê com o incansável Manuel, por uns bares lotados de estrangeiros como eu e que bebiam alegremente enquanto jogavam um jogo de dados, sempre tentando zicar o lançamento do adversário. Azar no amor, azar no jogo também. Sem saber direito a regra daquele esporte, me tomaram uns 23 euros, mas foi divertido.

A temporada estava acabando, era preciso ganhar uns cobres para pagar a viagem, o upgrade para a classe executiva, já não parecia ter sido tão barato e as cédulas de euro rareavam no meu bolso. Joguei o saudoso Poker Mania Open no Poker Stars, ficando em segundo no torneio de Heads-Up e parti para um evento paralelo do EPT. Eram €500 de buy-in, estrutura turbo, naipe torneio de clube, mas o prêmio era uma suculência só. Não era apenas este que vos fala que estava tenso, um inglês e um garoto espanhol quase saíram na mão após um duelo de irregularidades. Um fez a famosa string bet (colocar as fichas em vários movimentos), o outro acusou e logo depois de dar um novo raise, recebeu um all-in na cabeça e incorreu no infame slowroll. Quando apresentou A-A o tempo fechou e nem parecia verão em Barcelona. As cenas lamentáveis só não entraram em campo graças a turma dos draps calents (panos quentes em catalão). E dizem que essa gente é civilizada…

Fui avançando com desenvoltura no torneio. Meu Poker sobrepujava o dos oponentes e as fichas me procuravam. Tomava as melhores decisões e via que um garoto, parecia ser sueco, graças a uma combinação de cabelos loiros, olhos azuis e idioma ininteligível, estava começando a me 3-betar com bastante frequência. “Uma hora eu pego as fichas desse cidadão”, pensei. E como tudo conspirava, aconteceu. Ele dá raise, eu 3-beto, ele vai all-in de uns 50 big blinds, tenho Q-Q e não tinha estrutura emocional e nem profundidade técnica para foldar ali. Abri confiante minhas damas e o garoto, cheio de si, mostrou K-K. Puxa vida, onde foi que eu errei? – Em ter vindo jogar, disse minha consciência. Tudo isso mudou quando uma dama dançante apareceu no flop, seguida de nada no turn e necas de pitibiribas no River. O pot era meu. E mesmo faltando uns 72 caras, já me sentia campeão. O jovem nórdico não ficou muito feliz, mas acabou me dando a mão, resignado e mudo no compasso da desilusão.

Perto da bolha o clima ficou tenso. Com muitas fichas e escutando meu Art Popular, sentia que os jogadores reclamavam do meu apogeu e todo céu iria desabar. Tomei uma fatiada monumental com 14 left, eu A-K e um camarada que eu não posso admitir que pratique o jogo de Poker Texano Sem Limites, com 4-5. Risos foram ouvidos, mas eu tinha que seguir. O tilt veio mesmo com uma jogadora Alemã que chamava os brothers antes de cada mão, falava várias palavras no seu idioma e a dealer não fazia nada. Quando reclamei, a nossa querida crupiê disse: “nem liga, eu entendo tudo que eles tão falando e não é nada com o jogo”, que só serviu para me deixar mais contrariado. Acabei eliminando a garota, quando meu par e broca segurou contra o flush draw dela. Tive meu 7-1 particular. Alegria de pobre (e gordo) dura pouco. Com 11 left dei adeus ao torneio e aos 30.000 euros de prêmio para o vencedor.

A temporada estava oficialmente acabada, era hora de voltar, mas me dei conta que meu passaporte havia sumido. Tive que ir a polícia catalã, dar meu depoimento, provar que não vendi o documento (prática comum por lá) e depois dar as caras no consulado para pegar uma autorização de regresso. Lá conversei com gente de toda a sorte, entre artistas, intelectuais e modelos que desacansam durante o dia, tá ligado. É sempre bom. Como perdi o meu vôo, acabei indo visitar um amigo Argentino em Tarragona, cidade histórica catalã. Com meus últimos Euros, engatei no torneio do cassino de lá, fui indo, remando, ganhando fichinhas, cheguei na mesa final com gigantes 8 blinds, virei chip leader com 14, eliminei Espanhol, Alemão, Marciano e cravei. Vitória do povo hebreu sofrido. Adicionei uns €5.000 a minha conta, o que não pagava meu prejuízo, mas alimentava a alma. “Pra frente faz até poesia, né?” disse minha consciência. Fui direto de Tarragona para o aeroporto Prat, de carona, percorri 80KM tretando com uma catalã que falava mal de sul-americanos, tomei um avião e fui me embora rumo a felicidade que é chegar em casa, ver a família e comer Trakinas enquanto assiste o Chaves. O que mais pode querer um intelectual, não é?

Assim foi o meu EPT. Nunca mais voltei a Barcelona. O Manuel mandou um sms quando a filha nasceu.