Se existem muitos momentos que ficaram marcados na história do poker de forma positiva, no outro lado do espectro é inegável qual foi o dia mais sombrio para os amantes do esporte da mente. Em 15 de abril de 2011, há exatos 13 anos, a “Black Friday” do poker chocou milhões de jogadores e trouxe consequências sentidas até hoje no cenário.

Diferente do popular dia que leva o mesmo nome no varejo, quando são oferecidos grandes descontos, a Black Friday do poker veio com desespero, insegurança e surpresa para miilhões de pessoas. De uma hora para outra, PokerStars, Full Tilt Poker (FTP) e a Rede Cereus, que comandava o UltimateBet e o Absolute Poker, foram paralisados.

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Os jogadores se viram impedidos de logar nas salas e, quando procuraram informação nos sites, se depararam com uma mensagem do Departamento de Justiça (DOJ) dos EUA e do FBI. O aviso citava o confisco do domínio em questão, sob acusações como lavagem de dinheiro, fraude bancária e operação ilegal no Estados Unidos.

Aviso do FBI e DOJ visto pelos jogadores na Black Friday

Imagine se, hoje, sem aviso prévio, nenhum jogador conseguisse entrar nos principais sites de poker do mundo. Se os milhões de dólares acumulados em bankrolls ficassem inacessíveis, sem previsão de reembolso, e se fosse impossível saber ao certo o que estava acontecendo e quanto tempo duraria a paralisação. Além do online, circuitos ao vivo e veículos de mídia especializada também foram afetados, com a queda de seus patrocinadores e principais fontes de renda. Esse foi o cenário catastrófico vivido no fatídico dia.

O que causou a Black Friday do poker?

Para entender a Black Friday, é necessário voltar alguns anos, à introdução do Unlawful Internet Gambling Enforcement Act (UIGEA), em 2006. A lei não falava especificamente de poker online, mas foi o primeiro passo para a Black Friday ao proibir que instituições dos EUA processassem transações relacionadas a jogos de azar na internet. Nesse momento, diversos operadores optaram por encerrar suas atividades no país.

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Considerando que o poker não se enquadrava na definição por ser um jogo de habilidade, sites como o PokerStars e o FTP seguiram aceitando jogadores dos EUA sem repercussões durante os anos seguintes. O poker online seguiu crescendo no país, mas, apesar de nenhuma outra mudança na lei, em 2011 veio o desastre. Juridicamente, o nome oficial da Black Friday é o caso “United States v. Isai Scheinberg [um dos donos do PokerStars na época], et al.”, comandado por Preet Bharara, Procurador pelo Distrito Sul de Nova York.

As três redes citadas foram acusadas de violar o UIGEA, tendo seus fundos congelados e domínios confiscados, além da emissão de 11 ordens de prisão, incluindo os fundadores das salas. Lavagem de dinheiro e fraude bancária também foram denúncias que fizeram parte do processo, e os sites foram acusados de usar brechas na lei para continuar atuando após o UIGEA.

O que aconteceu depois da Black Friday?

Entre as três redes afetadas, o PokerStars foi o primeiro a se reerguer, apesar de ter que parar de aceitar jogadores dos EUA, é claro. O site rapidamente conseguiu permitir que os jogadores norte-americanos sacassem seus fundos, o que possibilitou à sala continuar atuando em outros países. No entanto, no FTP e na Cereus, a situação foi bem diferente.

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Uma investigação mais profunda mostrou que os sites não mantinham os fundos dos jogadores separados, ou seja, não possuíam dinheiro suficiente em caixa para pagar a todos. Nomes como Howard Lederer e Chris Ferguson, ídolos da comunidade até então, foram fortemente criticados. Em 2018, Ferguson falou publicamente sobre o caso pela primeira vez, pedindo desculpas.

Chris Ferguson sofreu muitas críticas pelo envolvimento no Full Tilt Poker

Mais de um ano depois, o PokerStars fez um acordo com o DOJ para a compra do Full Tilt Poker. Entre os termos, estava o pagamento integral do fundo dos clientes, o que trouxe alívio para milhares de jogadores que não sabiam se conseguiriam reaver seus bankrolls. O FTP foi mantido ativo por anos como uma skin do PokerStars, sendo finalmente desativado em 2021 e deixando na memória dos jogadores um misto de nostalgia e más lembranças.

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O caso da rede Cereus também foi muito delicado. Os jogadores do Absolute Poker ficaram sete anos até conseguirem restituir seus fundos, mas também receberam integralmente mais de US$ 38 milhões, com a última remessa acontecendo em 2018. Um ano antes, Scott Tom, fundador do Absolute Poker, recebeu sua sentença pelo envolvimento no caso, pagando uma multa de US$ 300 mil e cumprindo uma semana de detenção.

E hoje, qual a situação?

Atualmente, apesar da confiança nos sites de poker online ter sido recuperada, os efeitos da Black Friday ainda são sentidos no cenário do poker nos EUA. Desde a marcante data, seis estados legalizaram o poker online no país. São eles: Nevada, Nova Jérsei, Delaware, Pensilvânia, Michigan e Virginia Ocidental. O PokerStars, único a conseguir sobreviver com sucesso à Black Friday, atua com licenças em Nova Jerséi, Pensilvânia e Michigan.

Em 2021, uma decisão do Tribunal de Apelação do Primeiro Circuito trouxe uma boa notícia para o poker online nos EUA, ao afirmar que o “Wire Act”, lei criada em 1961, trata apenas de apostas esportivas e não de poker online. A decisão deu luz verde para que mais estados possam fazer parte do MSIGA (Multi-State Internet Gaming Agreement), acordo que permite a liquidez compartilhada entre os estados nos quais o poker online é legalizado. Desde então, a Virgínia Ocidental passou a fazer parte do acordo, e a Pensilvânia também possui um projeto de lei nesse sentido.

Ainda que avance a passos curtos, o poker online nos EUA nunca mais foi o mesmo, e a saída dos norte-americanos do pool mundial trouxe um baque que nunca sairá da memória de quem viveu a Black Friday do poker.

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