A preparação para entrevistar um jogador de poker envolve a elaboração de várias perguntas, principalmente no caso de o entrevistado ser uma daquelas pessoas de poucas palavras. Às vezes, mesmo questionando vários pontos diferentes, é difícil extrair uma resposta interessante ou uma informação diferente. No caso de William Kassouf, aconteceu completamente o oposto.

O britânico foi o grande personagem do Main Event da WSOP 2016. Com a sua demora para jogar e o falatório incansável na mesa, dividiu opiniões entre os amantes do poker e ganhou o destaque da mídia. A mudança na regra do clock, que diminuiu para apenas 30 segundos, foi até batizada informalmente de “Regra Kassouf”. Para quem acha que o “speech play” de Kassouf era apenas para chamar a atenção ou ganhar mais tempo de TV, a entrevista dele para o SuperPoker prova que, mesmo sem câmeras ligadas, Kassouf simplesmente ama falar.

Relembre um dos momentos de Kassouf na WSOP 2016, quando surgiu o bordão “9-high like a boss”

Abordado no dinner break de um dos eventos da WSOP, ele foi simpático e prontamente topou dar uma entrevista, com a única condição que precisávamos andar com ele em direção a um restaurante vietnamita do Rio Hotel & Casino, para que ele não perdesse tempo do intervalo. A primeira pergunta foi feita: “você foi o grande personagem da WSOP 2016. O que mudou na sua vida desde então?”. O que se seguiu foi uma longa caminhada e um quase monólogo 15 minutos do britânico, que dava poucas deixas e espaços para novas perguntas, conectando um assunto no outro com uma velocidade impressionante.

O resultado foi um discurso apaixonado em defesa do que pode ser chamado de “poker raiz”, onde a fala nas mesas é incentivada e faz parte do aspecto psicológico do jogo. Para a sorte do repórter, mesmo sem respirar entre um assunto e outro, Kassouf tocou nos principais temas que seriam tratados na entrevista. Confira abaixo os principais trechos da fala do britânico.

William Kassouf

O Main Event de 2016

Foi incrível ter aquela exposição na ESPN por sete dias. Especialmente por ser uma TV americana, por isso ter um britânico em destaque é legal para nós. Recebi várias mensagens de pessoas que me apoiaram, inclusive canadenses e americanos, mesmo eu tendo enfrentado jogadores desses países no Main Event. O consenso geral é que eles amaram o que eu fiz, foi ótimo para o jogo, me falaram que foi a melhor transmissão da década. É ótimo receber esse elogios, ter pessoas te falando para seguir agindo assim, porque você precisa de personagens no poker. É entediante ver ou jogar com oito “zumbis” com capuzes e óculos escuros, 12 horas por dia, sem falarem nada, isso não é entretenimento para ninguém. Se você não tiver os personagens, o jogo morre.

A mão contra Griffin Berger

No ano passado, naquela mão polêmica que eu tive contra Griffin Berger, que foi um cooler clássico, foi mais do que apenas AA contra KK. Acabou ficando famosa e até pessoas fora do poker, que não entendem do jogo, estavam comentando a mão, porque não foi apenas um confronto de mãos, mas um confronto de personalidades na maior arena do poker. Então eu coloquei o poker no mapa, de uma certa forma, e pessoas de fora do poker estavam comentando, o que é ótimo para o jogo em si, independentemente dos indíviduos e dos personagens. Em canais de esportes nos EUA, pessoas estavam comentando, comparando os números com os da NFL, NBA, outros grandes esportes. Acho ótimo, porque é o poker é algo pelo qual sou apaixonado, algo que me sustenta hoje em dia, pois sou advogado de formação, mas estou vivendo do jogo há quatro anos.

Bordões e o carinho dos fãs

Pessoalmente, é incrível ter todos esses fãs falando comigo, dizendo “9 high like a boss”, “coconuts”, pedindo para tirar selfies, falando que me assistiram, estavam torcendo por mim. Muitos elogiaram a maneira que me conduzi, dizendo que as pessoas da mesa estavam me tratando mal, e elogiando a minha compostura e força mental, falando do aspecto psicológico do jogo.

Eu vou continuar fazendo o que faço. Sempre existirão os que amam e os que odeiam, eu sempre serei um personagem polarizador, nunca serei o favorito do público. Não digo que todos deveriam agir assim ou que devam gostar do que faço, cada um tem seu próprio estilo de jogar. Daniel Negreanu fez uma enquete no Twitter sobre mim e acho que foi 53% a 47% em meu favor, então os números provam que eu realmente polarizo o público.

Wiliam Kassouf

O “Speech play”

No aspecto psicológico é onde me destaco, entrar na mente do adversário e descobrir o que eles acham que eu estou pensando, e vice-versa. Gosto desse nível profundo de pensamento, ao invés do ABC do poker. Há mais nessa postura do que apenas me mostrar, ou entreter, eu uso o “speech play” [falar com o adversário] e eles ficam malucos, então há uma razão pela qual eu faço isso. Eu acredito que se você entra em tilt e não tem força mental para lidar com o speech play, você não é bom o suficiente para jogar poker e não deveria estar jogando o Main Event, essa é a minha mensagem. A principal razão por trás do meu falatório é conseguir informações dos meus oponentes, convencê-los a pagar quando eu tenho valor e a foldar quando estou blefando, além de tentar manter o jogo divertido para os jogadores na mesa e a audiência em casa.

Hoje em dia, você precisa usar qualquer edge que encontrar, explorar jogadores mais fracos. Todos ficam discutindo sobre GTO [Game Theory Optimal], pot odds, implied odds, falando de 3-bet merging ranges, e eu entendo e respeito isso, mas eu encontrei uma vantagem psicológica. Ela pode não funcionar contra grandes jogadores, mas contra jogadores fracos é algo efetivo. Eu entendo que se é um pote 3-way você não pode falar, para não influenciar a ação, concordo com isso, mas heads-up defendo que o jogador tenha a liberdade de dizer o que quiser. Acredito que essas regras precisam mudar.

William Kassouf

EUA x Reino Unido

Generalizando, acredito que as pessoas que não gostam de mim são em maioria americanos, porque não estão acostumados a isso, com as falinhas. Os europeus já estão mais acostumados, todos no Reino Unido fazem isso, é normal. Você está ali para tirar as fichas de todos da mesa, não existem amigos na mesa. No Reino Unido, eu posso dizer exatamente as cartas que tenho e não tomarei uma punição, não há nada errado com isso, depende do seu oponente decidir se você está falando a verdade ou não, qual o problema com isso?

Ainda assim, isso é completamente proibido aqui na WSOP e em qualquer evento nos Estados Unidos, até onde eu sei. Você não pode falar sobre a sua mão, não pode debater nada sobre a mão. Eu já joguei em lugares aqui em que você não pode sequer perguntar “você quer que eu pague?”, porque estaria influenciando a ação, que idiotice é essa? Isso é absolutamente ridículo, é patético, estamos falando de poker ao vivo em 2017, essas regras precisam mudar. Poker é um jogo onde buscamos informações e qual a melhor forma de tentar extrair algo do oponente do que conversando com ele? Esse é um edge que eu encontrei no jogo e estou conseguindo bons resultados com ele, por isso continuarei fazendo isso. Não acho que conseguiria ser um jogador de torneios aqui nos EUA, onde não posso falar.

William Kassouf

A “Regra Kassouf”

Eles mudaram uma regra para este ano, que vem sendo apelidade de “Regra Kassouf”, em que diminuíram o tempo do clock e agora o floor pode fazer a contagem mesmo que nenhum jogador tenha pedido, o que acho injusto. Dá muito poder para o floor e acho que 30 segundos é pouco. Se pedissem o clock sempre em situações razoáveis, seria bom, mas agora não precisam nem esperar 2 minutos para pedir e alguns acabam pedindo depois de 20 ou 30 segundos, não é justo. Espero que não usem isso na reta final do Main Event, onde as decisões são mais difíceis e valem muito dinheiro, espero que não explorem essa regra de maneira injusta. Ano passado, principalmente no Dia 7, jogando contra grandes jogadores, eles pareceram entrar em tilt com o meu “speech play” e usaram isso como desculpa para falar do tempo que eu tomava.

Em minha defesa, na maioria das vezes em que eu demorei para agir tinha uma grande decisão para tomar. Todos se viraram contra mim no final, quando havia cerca de 18 jogadores, nomes como Cliff Josephy e Gordon Vayo pareceram se unir contra mim, mas eu soube manter a cabeça fria. Eu fiz o que tinha que fazer, senti que eles estavam frustrados com o meu ritmo, apesar de eu não estar fazendo nada errado. Então se estou conseguindo afetá-los, por que eu não faria isso? Não é contra as regras e é um edge. Eu acho que eles é que passaram do limite com complô contra mim, e foi isso que eu ouvi de fãs e amigos. Naquele ambiente de alta pressão, é tão fácil perder o controle e se exaltar, xingar, mas isso só me daria outra punição, então consegui me controlar.

O Bodog é o patrocinador oficial da cobertura do SuperPoker na World Series of Poker 2017