Considerado por muitos como o torneio mais charmoso do Brasil, o BSOP Millions é um momento de coroação e encerramento do ano. E os elementos estavam todos lá: glamour, ternos e gravatas, perfumes e maquiagens caras, roupas de grife com ou sem patchs de times de poker e o tradicional tapete vermelho por onde circulavam os funcionários, a imprensa, os jogadores e as jogadoras profissionais e recreativos – todos eram peças do cenário e faziam parte da estrutura do evento, cada um contribuindo a seu modo. 

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Quando entrei no salão, vi uma multidão, paralisei, e uma onda de sentimentos tomou conta de mim, era um sonho que estava realizando. Eu também era uma pecinha dentre as milhares de pessoas do mundo todo que circulariam por lá. Contornei o salão e fui até o fundo, onde estava a galera da imprensa, pessoal do SuperPoker e outras mídias que cobriam tudo ali. Depois de feitas as apresentações, falei que gostaria de conhecer a área dos torneios, e um dos jornalistas falou “vai pelo meio do salão”. E foi nesse segundo momento que eu parei e pensei “será que sou digna de cruzar por um tapete vermelho?” Os símbolos eram muito fortes para mim naquele instante. No final do corredor de quem cruzava pelo tapete tinha câmeras aéreas e, ao fundo do salão, todos os prêmios e troféus que seriam distribuídos, e foram mais de 27 milhões de reais. Era surreal, era o verdadeiro caminho do mito, encarnado ali, na minha frente. O tapete me intimidou. Foi quando avistei uma pessoa conhecida das redes sociais e fui em direção a ela, com o sentimento de que pudesse perder o medo, compartilhar a ansiedade ou alguma forma de me sentir acolhida. Mas foi a expectativa x realidade, como um meme mesmo. Nesse momento que percebi que não existiam ali apenas Legos, peças que se encaixavam, mas também existiam Egos que rodopiavam como peões em uma realidade freudiana instalada. 

Tapete vermelho – BSOP Millions

Tapete vermelho – BSOP Millions

As discussões nos grupos e comunidades de poker de que participo foram à loucura com a vitória do Urea no Main Event. Os mais aprofundados queriam discutir elitização do poker, dados socioeconômicos, barreiras e inclusão do jogo para negros e gays. Ganhei livros de presente, escutei discursos, conheci campeões nacionais e mundiais, circulei em áreas VIPs, ganhei camisetas e fui feliz com todo esse povo nesses dias. Mas quando voltava para o meu quartinho de Airbnb e deitava minha cabeça no travesseiro, sentia solidão. Não pelas pessoas que me acolheram e eu conheci, todas fantásticas (fora as do ego e superego), mas vi que tinha muito chão para correr ainda com este trabalho, é muito Lego para encaixar. 

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O lugar das mulheres no cenário do poker nacional precisa de união, de fortalecimento, de engajamento, de amizade, de mais amor. Fora o trabalho das meninas da Liga Paulista Feminina de Poker e de ações do H2 Club como o Ladies Bodog, o cenário é disperso. E não ver uma mulher no pódio nos 41 Eventos do BSOP Millions, fora o Ladies, me doeu em todos os dias até hoje. Dos discursos lindos das redes sociais sobre feminismo e a força da mulher para o nariz virado no tapete vermelho há um abismo a ser trabalhado, e não é sobre money, elite, cor e gênero, é sobre o ser humano, seu caráter e seus valores morais e éticos, para além de uma selfie e stories na mesa. 

Eu vi muitas mulheres no salão trabalhando, limpando, servindo, massageando, mas vi poucas mulheres jogando. Isso incomoda? SIM. E incomoda mais ainda a arrogância e a falta de humildade. O nosso campeão Urea não foi campeão porque o baralho ajudou, ou porque bateu as dele, ou ainda, pela meritocracia que é o discurso mais aceito “ele merecia”, NÃO! Apesar dos últimos campeões serem homens e não termos a representatividade feminina, algo em comum chama a atenção entre eles que os destacam: a HUMILDADE. Pessoas humildes que derrubam a soberba, a arrogância, reconhecem suas limitações são mais felizes, creio que a melhor referência para isso seja um texto de Marcel Mauss chamado O Ensaio sobre a Dádiva. E sem reconhecer determinadas situações no poker derivadas do orgulho, os erros passam despercebidos, não só nas mesas, como na vida. Os verdadeiros campeões nos ensinam humildade em suas narrativas para seguir adiante. E eu? Força para resistir e continuar o que comecei aqui. 

Ladies Bodog – H2 Club

Ladies Bodog – H2 Club

Desejo que a cultura do poker feminino não caminhe para o narcisismo ou egocentrismo de um nicho que detém maior espaço midiático, tendo sentimentos falsos de superioridade e incapacidade de ouvir autocrítica perante uma comunidade que luta pelo seu espaço e busca crescer. Sejamos fortes como uma Liga, unidas como movimento, ferozes pelo nosso espaço, conscientes da luta e que no fim tenhamos esperança e empatia pelo que fizemos, afinal, somos amantes do poker, mas acima de tudo, somos mulheres. 

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Para concluir, propomos dar seguimento ao projeto já iniciado pela Liga Paulista Feminina de Poker ao seguirmos com a proposta de oficializar a Liga Brasileira Feminina de Poker junto à CBTH (Confederação Brasileira de Texas Hold’em) como próximo passo. Levando em conta o desafio e as demandas, neste contexto, é mais do que necessário a oficialização, é urgente! Mulheres, avante! Até semana que vem e que comecem as falinhas, esse spot eu não perderia nunca.