É a vez das dealers brasileiras contarem suas experiências nas mesas de torneios, cash games e clubes de poker. Para elas, o gênero continua intrinsicamente ligado às relações das ações entre elas e “eles”. Para entendermos estas e outras questões, a coluna desta semana relata como as mulheres que dão cartas veem o mercado de trabalho, a pressão da habilidade e conhecimento das regras e o benefício de poder viajar e conhecer outras culturas.

Os efeitos sociais da divisão de gênero não escapam dos encargos da própria dominação masculina. A mudança de habitus de gênero é uma tarefa lenta e difícil. Na medida em que a violência simbólica funciona e perpetua a si mesma, às vezes subjetivamente, as mulheres compartilham do mesmo cenário que as oprime. Trabalhando na capital gaúcha, a dealer Paloma Fensterseifer relata. “É muito difícil se impor e eu sou muito grata ao insight, desde o início, de me fechar e ter criado uma personagem brava. Isso me deu força, me deu voz e me fez ser escutada. Mesmo assim, eu acho que é triste ter que ser diferente de quem tu és para conseguir ter respeito por ser um ambiente masculino”.

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Figura presente nas transmissões do BSOP, Juliett Trevisan Ward é dealer há 12 anos. Hoje, ela faz circuitos nacionais e internacionais e relata que no início da carreira sempre foi muito séria. “Às vezes parece que sou mal-humorada, brava, mas na verdade o que eu sempre quis foi me impor no espaço em que tenho que tomar conta. Eu preciso me concentrar porque não posso errar. Com o tempo você vai melhorando e aperfeiçoando a tua forma de trabalhar na mesa”, conta ela.

Já sobre o mercado de trabalho, a dealer Vivi Ross se aprimora há 8 anos na profissão. “Para quem quiser ingressar na profissão de dealer, aconselho que busque fazer um curso profissional, pratique e estude muito para aperfeiçoar seus conhecimentos”. Juliett nos conta que ter um segundo idioma ajuda muito, pois as possíveis oportunidades para se trabalhar fora do Brasil aumentam. “Conheci muitos estados do país, tive muita oportunidade de viajar. Sou muito grata a todo mundo do BSOP, me abriram oportunidades quando me ligaram para fazer um torneio fora do Brasil, que era o PCA. Sou grata a tudo isso. Hoje, faço o EPT também, que é o circuito europeu, e isso me abriu sempre portas para tudo. É sempre importante dealers que estão começando aprender uma segunda língua, é muito importante”.

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Opinião unânime entre as dealers, as viagens e as amizades que o poker e o trabalho proporcionam são emocionantes. Sabine Costa começou como dealer no H2 Club e no BSOP. Foi nessa época, em 2014, que ela viu a chance de poder viajar e conhecer outras culturas. “Entendi a dimensão de tudo que é o poker. Decidi, então, me dedicar e me entregar totalmente à carreira de dealer, pois só assim enxerguei a chance de poder jogar e estudar mais sobre esse estilo de vida fascinante e interessante que é esse esporte”. Hoje, Sabine reside em Buenos Aires e destaca. “O legal do poker é que você estuda a diversidade de culturas que existe. Em cada canto tem um hábito na mesa, um jeito de jogar, forma de anunciar o jogo, as gírias, etc”.

Para além das alegrias, a dealer Débora Pereira comenta. “O mercado de dealer está sendo mal remunerado. Mesmo eu trabalhando em cash game, acredito que isso deveria mudar, incluindo nossa regulamentação, são mudanças que deveriam acontecer. No meu caso, eu não tenho carteira assinada”, declara a profissional que trabalha há 4 anos como dealer. Sabine Costa complementa. “Não temos um sindicato, nem direitos trabalhistas. A cada ano dealers ganham menos e o mercado de trabalho fica mais difícil, principalmente com a expansão das plataformas online e formação de novos profissionais”. Atualmente, Sabine faz o circuito BSOP, WSOP, MasterMinds 888Poker e vários outros circuitos regionais.

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Para nossas dealers entrevistadas, assumir a liderança da mesa é um ato de tomada de ação. Elas relataram, que o sentimento de liderança envolve ritos de iniciação, como entender o jogador que perde muito e fica agressivo, o mais rico que tem privilégios, o descontrolado e piadista, ou o cara que flerta. Em algum momento, uma dealer vivenciará alguma reprodução de estereótipos de uma sociedade que vê ainda o papel da mulher como secundário no mercado formal e informal de trabalho. Mas isso está mudando no mundo do poker, pois ao demonstrarem habilidades e autoconfiança, as dealers brasileiras têm tomado cada vez mais espaço no mundo. Elas já são uma rede organizada, são amigas e lutam pelos mesmos direitos trabalhistas. Vida longa às dealers brasileiras!

 Flora Dutra, jornalista, antropóloga e jogadora de poker.