No início do século XX, havia o poder de determinar quais segredos podiam ser mantidos e por quem, e quem era obrigado a permanecer visível e quem não era. Ocorre que, inversamente, o sigilo era um meio pelo qual as pessoas poderiam resistir ao controle social.

O segredo, em suas formas contemporâneas, torna-se um filtro, nos modos atuais, de conhecimento, identidade, pertencimento, resistência e poder. Nessa semana, o Pocket Poker conversou com a Carol Martins, que lança seus segredos em forma de poesias escritas, no livro intitulado “Cartas Estranhas para Amores Inventados”, pela editora portuguesa Chiado Books.

VEJA MAIS: Outubro Rosa: Regina Cassab deu all in contra o Câncer e venceu

Na antropologia, o sigilo e os segredos são temas de longa data, assim como também foi para Carol revelar seus códigos secretos de linguagem e comunicação dentro de mundos cotidianos e sobrenaturais, para tornar visível o tácito, inerente e indescritível. Para desfazer os segredos do passado, ela mostrou seus escritos compilados durante doze anos a ninguém menos que Fernanda Young. As duas ficaram amigas, segundo Carol, ela teve papel fundamental na construção do livro. “Acho extremamente simbólico publicar poesia nesse momento no Brasil e eu ser uma mulher gay, publicando um livro que são poesias de uma mulher para outras mulheres. Acima de tudo, o livro é de amor e não importa para quem seja. Publicar um livro hoje no Brasil é um ato político e falar de amor é transgressor”, comenta a escritora.

Assim, barganhamos segredos da psique, sociedade, religião, economia, sistemas políticos, artefatos culturais e materiais. Fazendo isso, as mulheres enfrentam continuamente dilemas sobre o que dizer e o que manter em segredo, medindo o grau em que nossos escritos devem envolver sigilo e os predicamentos éticos dessas questões.

Nesse contexto, Carol Martins preserva certas pessoas, ao manter as poesias no anonimato, embora tenham acesso à verdadeira identidade dos escritos. Mas, como esses segredos são feitos e produzidos, mantidos na gaveta ou publicados, ou ainda, porque eles são compartilhados, torna-se uma questão tão importante hoje como era para antropólogos e outros pesquisadores sociais.

VEJA MAIS: Elas contam tudo sobre o Samba – o enredo de um time de poker

Similarmente, a política e a ética de possuir e mostrar coisas que são secretas, honradas ou sagradas tornaram-se intensas. E intensidade não faltará no lançamento oficial do livro, no dia 01 dezembro, na Cartel 011, em Pinheiros (SP). Carol nos conta. “Será uma noite de autógrafos e leituras, com participações de Mariana Ximenes, Natália Rodrigues, Isabel Wilker e a Miranda Kassin. São grandes amigas minhas e atrizes fantásticas, e elas irão ler partes do livro durante o evento”.

Aqui, partimos um pouco da definição do segredo revelado como um ritual de acesso ao conhecimento valorizado. Em vez disso, vemos os segredos como coisas que podem ser vistas, performaticamente, viver e morrer em suas narrativas. O valor do conhecimento secreto se torna aparente e ganha força social no momento da sua revelação, e é assim que está ocorrendo com o primeiro livro da Carol.

Carol Martins (Foto: Mebeliska)

Partes do livro que serão lidas estão situadas e foram sentidas e descritas em suas relações sociais, permeando tecnologias analógicas e digitais, linguagem, imagem, filme, mídias sociais e estruturas. São verdades poéticas que se tornam intenções e ramificações significativas da vida da Carol, que também é jogadora e Coach de Poker Feminino.  “O poker continua sendo um mercado masculino em que a mulher se insere, por isso, o meu interesse de trazer mais mulheres para o poker. Quanto mais mulheres tivermos no poker, mais chances temos de chegarmos aos títulos”, diz Carol.

VEJA MAIS: As minas do grind: a invasão das mulheres no poker online

Compartilhando segredos e quebrando o silêncio, Carol interpreta diferentes contextos: na fala cotidiana, nas trocas formais e retóricas, nos textos de diferentes tipos no Instagram e através do desempenho fantástico em suas multitarefas. Além de poker player, escritora, performer, Carol Martins atua na empresa audiovisual MOX Produções e, por isso, as viagens para as séries de poker tornam-se restritas. “Eu fui a primeira mulher do time do Mojave. Foi lá que eu comecei a jogar os torneios maiores, mas basicamente sou uma jogadora de Cash Game. Depois disso, fui pro Step Team, lá o Gui Moura foi meu Coach. Como eu tenho desde aquela época uma produtora de audiovisual, não conseguia me dedicar ao grind como deveria. Fiquei um ano e meio lá, e resolvi ficar apenas com investidores. Ano passado fui pra Las Vegas com a Carol Dupré que é minha amigona. Fui pra ver como é um mundial, saber o sentimento de estar lá. Tenho planos de jogar o WSOP em breve, mas não consigo viajar tanto quanto eu gostaria”, comenta Carol.

VEJA MAIS: Do rolezinho ao Caribe: o poker como diversão conquista as mulheres

Sabemos que as pessoas são recompensadas por contar segredos, bem como por manter eles, e segredos são uma maneira de controlar as repercussões de revelação, por exemplo, de identidade sexual ou estado de saúde, violência ou um ato ou associação transgressora. É aí que as pessoas aprendem adequadamente scripts e funções específicas. Mas também, apesar de variações na narrativa e na contabilidade pessoal, essas mulheres seguram certas versões de sua vida como forma de revelar identidades subjetivas. Contar ou não, e lembrar ou não, ocorre nesse contexto. A vida privada e pública é embaraçada à medida que segredos são trazidos para o domínio público, como ocorre na verdade a reconciliação e, também, inevitavelmente, quando publicamos nosso próprio trabalho.

Os segredos podem ser revelados através da narrativa e processos de exposição, segredos podem ser revelados através de nomes, linguagem corporal e estratégias de silêncio. É como os times e jogadores de poker lidam com a técnica e “seus segredos” que não podem ser compartilhados.

VEJA MAIS: Poker Queens: entrevista com a cineasta americana Sandra Mohr

A arquitetura de revelar segredos pode assumir a forma de novas normas de divulgação e práticas relacionadas de exposição e exibição de algumas circunstâncias que desafiam a base pela qual os indivíduos e os coletivos podem reivindicar o segredo e exercer controle sobre informar e reter informações. A dinâmica de quem diz o que, quando e para quais fins é trazida em primeiro plano na vida pessoal e na administração e conduta cotidiana dessas mulheres. Todas nós estamos sujeitas a essas tensões relacionadas à politização dos segredos. Por fim, Carol Martins apreende o exercício do poder de si em uma linha harmoniosa entre tantas, em sua obra, e nos contempla com a simplicidade e beleza de seus amores revelados. Keep going! Até semana que vem!