Variância é uma das palavras mais faladas (e temidas) pelos jogadores de poker. Afinal, mesmo fazendo as jogadas corretas, a estatística dita que até o melhor jogador do mundo irá passar por momentos de “downswing”, quando o gráfico aponta para baixo. Mas quão cruel pode ser a variância? Primeiro, vamos entender o termo.
Cada jogada de poker pode ser definida com um “valor esperado”, o famoso EV (“expected value”, em inglês). A variância é o termo usado para definir o que foge do esperado, as variações estatísticas dentro do ganho estimado de um jogador, baseado em seu ROI (Retorno de Investimento). É, descartando outros fatores, o que faz um jogador claramente lucrativo poder passar um período no prejuízo. Afinal, até um AA perde para um 72o mais de 10% das vezes. O poker possui uma porcentagem de fator sorte, pois depende, em parte, das cartas que batem na mesa. No longo prazo, a sorte importa cada vez menos, e a habilidade de fazer jogadas +EV (com valor esperado positivo) prevalece.
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No curto e médio prazo, por outro lado, ganhar ou perder um coin flip pode fazer a diferença entre ser campeão, levando um prêmio considerável, ou cair na bolha da FT e sequer salvar o ferro do dia. Ou seja, mesmo fazendo a jogada correta, a variância pode te levar ao céu ou ao inferno, não importa quão bom você seja. O assunto foi abordado em uma sessão de perguntas e respostas feita pelo 4bet Poker Team nos Instagram Stories.
“É comum oscilações de 300 a 600 buy-ins, dependendo do ROI do player e tamanho do field”, escreveu Marcos Sketch, sócio do time, respondendo a uma pergunta sobre downswing. “Até mesmo 1.000 buy-ins é algo que acontece mais vezes do que qualquer um imagina. Todo mundo se assusta quando falo isso, mas sim, estou falando de variância estatística mesmo. Player jogando bem e perdendo 1.000 buy-ins. Bizarro, mas real – quem tem boa noção de estatística e desvio padrão vai entender”.
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O assunto fica assustador quando Sketch exemplifica com um gráfico impressionante. Nele, estão os resultados dos 30 melhores jogadores brasileiros segundo o PocketFives, em torneios de buy-in até US$ 109. Como é de se esperar, o gráfico possui uma subida constante e parece ser “sem variância, com cerca de US$ 2,4 milhões de lucro. “Mas será mesmo? Vejam a seguir o que acontece quando damos ‘zoom’ em partes do gráfico”, escreveu Sketch.

No primeiro recorte (abaixo), é mostrado um período de 13 mil jogos em que os jogadores ficaram breakeven, ou seja, no zero a zero. “Na amostragem de 220 mil jogos, tem uns dez grandes desses”, pontuou Sketch.
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“Quando você vê um jogador empatando por 2 anos (13 mil jogos costuma levar uns 2 anos), você sempre vai concluir que ele está jogando mal. Mas como você vai dizer que os top 30 brasileiros estavam todos jogando mal na mesma semana? Esse tipo de análise, portanto, permite concluir o que é ou não possível acontecer estatisticamente”.

O próximo zoom mostra duas downswings, de 460 buy-ins em 1500 jogos e 700 buy-ins em 2000 jogos. “A inclinação parece pequena pela perspectiva (500 buy-ins são US$ 20 mil, no gráfico de US$ 2,4 milhões de lucro essa curva mal aparece no desenho. Mas continuam sendo 500 buy-ins). E lembrem: não tem como alegar que é bad play ou leak ou nada do tipo. São 30 nomes juntos. Esse é aquele player do ‘gráfico lindo, super positivo, sem variância’. Mas isso é o que se enxerga quando vamos fazer o raio-X do gráfico”.

Um outro recorte mostra uma dowswing de 760 buy-ins em 5.000 jogos. “Esses são os top 30 brasileiros num ABI (buy-in médio) menor do que o que eles costumam jogar. Imagina você, com 200 buy-ins achando que é bankroll suficiente? O que acontecerá com seu psicológico quando perder 3/4 do seu bankroll? (o que invariavelmente vai acontecer em algum momento)”.
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A intenção aqui não é assustar jogadores e dizer que é impossível ser vencedor. Pelo contrário, quanto antes alguém que quer ser profissional no poker entender que a variância faz parte do jogo e é inevitável, melhor vai conseguir lidar no momento em que isso acontecer. Por outro lado, uma downswing pode servir também como um sinal de alerto necessário para o jogador. É hora de rever mãos jogadas, focar ainda mais nos estudos e avaliar a reta de torneios. Quem sabe, diminuir o buy-in médio para voltar à zona de conforto financeira. Evitar torneios turbo e hyper-turbo e fields gigantes também é uma arma para diminuir a variância.
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Para Sketch, em declaração ao SuperPoker, esse conhecimento em relação à variância é fundamental para uma carreira bem sucedida. “É fato que a variância faz muita gente seguir carreira porque deu “sorte” (e aí depois o cara se ajeita), enquanto outros, que talvez tivessem mais talento e chance de ir bem, não tiveram essa chance”.
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