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Exclusivo: Rui Ferreira fala sobre sucesso do poker português e boicote ao PokerStars

Diferente do Brasil, Portugal possui um mercado fechado para o poker online. Explicando em linhas gerais simples, portugueses não podem jogar em nenhuma sala da versão “.com”, apenas aquelas que possuem licença para atuar na liquidez compartilhada entre lusitanos, espanhóis e franceses. Apesar de um mercado fechado, Portugal possui diversos jogadores que disputam os torneios…

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Diferente do Brasil, Portugal possui um mercado fechado para o poker online. Explicando em linhas gerais simples, portugueses não podem jogar em nenhuma sala da versão “.com”, apenas aquelas que possuem licença para atuar na liquidez compartilhada entre lusitanos, espanhóis e franceses.

Apesar de um mercado fechado, Portugal possui diversos jogadores que disputam os torneios mais caros, tantos nos feltros virtuais quanto nos eventos ao vivo. Mostrando que o nível técnico do país é tão elevado, dois portugueses se qualificaram para o Dia Final do Main Event do EPT Barcelona, um dos principais eventos do circuito live, além de três alcançarem a mesa final do Millions Online do partypoker, o maior torneio da história dos feltros virtuais. A vitória ficou com o luso Manuel Ruivo.

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Um dos grandes destaques do país é o profissional Rui Ferreira, que nos feltros virtuais pilota a conta “RuiNF”. O craque acumula diversos grandes resultados no poker online jogando os níveis mais altos, além de esporadicamente disputar os eventos mais caros do circuito live.

Além de grande performance nas mesas, o jogador foi um dos jogadores que participou do boicote ao evento de US$ 5.200 da Turbo Series do PokerStars. O movimento aconteceu após a sala mudar algumas regras do Stars Rewards, programa de recompensas, aumento do rake e redução do período de late register em algumas competições.

Em entrevista exclusiva ao SuperPoker, Rui falou sobre a situação do poker em Portugal, o movimento dos craques high stakes e a sua visão em relação ao poker brasileiro. Confira:

 Como você conheceu o poker?

Não lembro exatamente como foi, mas foi um tio que me apresentou o jogo. Acabei gostando muito e ingressei no poker online.

Rui Ferreira
Rui Ferreira

Como foi o seu início de carreira?

É uma pergunta um pouco complicada. Comecei a jogar há dez anos, então, não lembro exatamente como foi, mas acabei vendo no poker uma oportunidade de ganhar dinheiro, como não completei os estudos, saltei nela. Tinha apenas 18 anos quando tomei a decisão.

Como é a sua rotina de estudos?

Nós possuímos muitos métodos para evoluir no jogo. Algo que vejo muito positivo no poker em Portugal é que somos muito eficientes em aproveitar o tempo que temos para dedicar ao estudo. No meu exemplo, eu vou estudar mais aquilo que vai me dar +EV, situações que acontecem mais rotineiramente, do que algumas que acontecem de forma esporádica.

Também tenho o privilégio de trabalhar com excelentes jogadores, até mesmo aqueles que jogam buy-ins inferiores ao que eu jogo. Às vezes, eles possuem um pensamento que eu nunca tinha percebido e me faz mudar a visão em relação a uma determinada situação, isso é muito bom.

Mas no high stakes, creio que além do nível técnico, o crucial é a parte emocional, é nesse aspecto que você nota a grande diferença entre dois bons jogadores. Hoje, é necessário muito sangue frio para jogar os high stakes, o investimento é ridículo de tão alto. Você estar seguro com o seu jogo é primordial, então o psicológico também influência bastante, isso que diferencia o bom do excelente.

Quando você iniciou, quem eram as suas referências no poker? E hoje quem são elas?

Principalmente no online eram dois jogadores que ganhavam regularmente o Leaderboard do PokerStars. Honestamente, eu não me lembro do nome deles, mas lembro-me que eram dois americanos, que sempre disputavam as duas primeiras colocações nesse ranking. No ao vivo, era o Jason Mercier. Apesar de eu não acompanhar o live regularmente, quando ele apareceu tinham aquelas mãos engraçadas e surpreendentes. Em Portugal, a minha referência foi o João Barbosa e o Diego Veiga, que na época já jogava os limites mais caros.

Rui Ferreira - EPT Praga
Rui Ferreira – EPT Praga

Aproveitando o gancho dos jogadores locais, na última edição do EPT Barcelona, os portugueses acumularam diversos resultados, como vocês virão esses números?

Foi natural, pois os jogadores portugueses acumularam grandes resultados em 2018. Um outro exemplo do grande desempenho dos nossos jogadores, foram três comporem a mesa final do Millions Online do partypoker, o maior torneio da história do poker online, e um ganhou. Foi um ano incrível, estamos trabalhando muito forte, existem diversos grupos que se uniram e estão se dedicando. Pra mim, não me surpreendeu foi apenas a continuidade desse compromisso em evoluir.

Como você vê a visão da liquidez compartilhada em Portugal?

Existem dois primas. O primeiro ponto, é que em termos legais é muito bom. Em Portugal, o poker é considerado esporte de azar e não é taxado pelo estado, quem paga os impostos é a sala. Em termos de tributos, isso é muito bom.

Agora, em termos de jogo, tem sido bastante ruim por causa dos jogadores de outros países que conseguem jogar conosco. Por exemplo, sempre que você vê um brasileiro que joga nas salas é regular do online. Acaba tirando dinheiro desse mercado que já é fechado. Eu citei os brasileiros, porque são aqueles que estão em maior número, mas existem outros países.

Se o mercado fosse mesmo fechado, seria um sonho. Quando era restrito apenas a Portugal, eu via os jogos muito bons. Pagava menos para os primeiros colocados, mas ainda eram relativamente bons.

O mercado sendo fechado, acaba não sendo ruim para a popularização do jogo?

Acho que sim. O torneio do sonho da maioria dos jogadores do online, até mesmo dos recreativos, é o Sunday Million, pois você pagar apenas US$ 109 e ganhar até US$ 150 mil é um grande sonho para qualquer um. Ter essa grande transformação do pequeno investimento acaba sim fazendo falta aqui. Nós temos um torneio de € 250 com € 1 milhão garantido, mas ele acaba acontecendo apenas uma ou duas vezes por ano, infelizmente isso não é o suficiente para trazer tantas pessoas ao jogo.

Rui Ferreira
Rui Ferreira

Ter que viajar para outro país para disputar as principais séries online não acaba sendo outro grande ponto negativo?

As pessoas muito boas fazem acontecer, independente da adversidade. Eu conheci os melhores jogadores do mundo em torneios por causa disso, porque tive que ir para fora e quando o mercado fechou, acabei indo para Praga. Na cidade eu fiz apenas duas coisas, estudei ou joguei.

Parece história, mas não é. Fiquei lá um ano e não sai anoite nenhuma vez. A minha rotina nesse período foi três semanas com esse foco e na quarta semana ou vinha para Portugal ou ia disputar algum EPT. O que sou hoje como jogador é por que tive que ir para fora, isso me fez muito bem e também para o grupo de jogadores que foi comigo, todos tiveram uma experiência muito positiva. E atualmente, pra mim, é muito melhor. É a famosa frase, a males que vem para o bem, pelo menos na minha visão.

Em que momento você viu que era o momento de começar a migrar para o poker live?

Hoje, eu viajo pouco para jogar ao vivo. O primeiro motivo é que já viajo demais. Minha namorada vive em Bruxelas, minha vida está divida em Bruxelas, Portugal e ir para outro lugar para jogar o online. Estou sempre viajando, nunca paro, só vou nos eventos que são realmente muito bons para ir.

Sobre o ingresso no poker live, foi natural, principalmente pelo convívio e os torneios serem muito interessantes. Por exemplo, fui ao PCA porque os eventos eram muito interessantes, apesar de ser uma viagem dura de vinte horas. Acabo não indo por esse motivo, as viagens acabam sendo muito desgastantes, em apenas três ou quatro anos disputei todas as etapas do EPT, mas isso não faço mais.

Apesar de não estar frequentemente nos eventos, como você enxerga o crescimento do mercado high stakes live?

Quando eu vou jogar qualquer torneio, enxergo aqueles que tenho a chance de vencer. Novamente utilizando o exemplo do PCA, eu creio que ganharia cerca de 1 a 2% nos eventos high stakes, pra mim é estupidez jogar por essa margem, posso jogar um torneio de US$ 5 mil de buy-in e ganhar até 40% do investimento. Resumindo, posso ganhar o mesmo valor, só que com menos variância.

Eu sou bastante frio nessa análise, vejo que se os jogadores verem por esse ponto e não só pelo ego, acho que sempre terá oportunidade de ingressar nesses jogos, mas não sempre. O problema é que se for levar apenas no ego, as coisas podem não correr bem.

Rui Ferreira
Rui Ferreira

E no online?

Vou falar por mim, que de certa forma estou em uma situação privilegiada, vejo que vai acabar fazendo uma limpeza dos regulares, que não estão batendo esse field ou que estão batendo por muito pouco e a variância vão coloca-lo pra baixo. Isso é bom pra mim, pois vou conseguir trabalhar melhor.  Eu enxergo como uma oportunidade excelente, mas também vejo que pode matar uma parte do field da liquidez, pois creio que um recreativo pode preferir jogar um torneio de US$ 1.000, do que cinco de US$ 215.

Eu tenho que pensar também no lado do meu time, que tenho vários jogadores jogando pra mim. Creio que quantos menos regulares estarem no field é melhor, pois indiretamente acabo ganhando com a vitória dos meus integrantes de equipe. Estou contente com essa situação e gosto quando as coisas ficam difíceis, essa vai ser a tendência daqui pra frente, o jogo cada vez com o nível técnico mais alto.

Qual a sua visão sobre a ação dos jogadores high stakes de boicotarem o torneio de US$ 5.000 do PokerStars?

Eu fiz parte ao boicote, mas essa pergunta é mais complicada que aparenta ser e, honestamente, não sei se quero responder essa pergunta. Fui um dos integrantes do grupo e vou continuar apoiando o movimento, pois seria hipocrisia da minha parte não fazer parte.

Tenho uma equipe com quase cem jogadores e eu jogo todos os eventos high stakes, então, é minha obrigação compor o grupo, mas não sei se fará algum efeito. Vou dar um exemplo, as apostas esportivas, de alguma forma, eles sempre acabam ficando com o dinheiro. E no Stars, nós sempre estamos nessa continuidade de vitórias. Muitos não sabem, mas a sala tem o direito de banir quem ela quiser, a hora que entender, sem nenhuma justificativa, está nos termos de acordo. Claro que eles não vão fazer isso, mas estão cada vez complicando mais as nossas vidas e gradualmente vamos ganhar menos.

Infelizmente, acaba sendo natural porque eles possuem o monopólio do negócio, pois são muito melhores que qualquer outra sala. A culpa acaba não sendo deles, mas sim da concorrência, que não consegue fazer um trabalho tão bom. Como falei no começo, é uma pergunta muito complexa, podemos fazer uma entrevista apenas com esse enfoque, pois são diversos pontos, mas os jogadores são muito prejudicados, já que eles subiram o rake.

Você se surpreendeu com o número de jogadores que aderiram ao movimento?

Isso é uma beleza do poker que é muito difícil em outros esportes. Estive no PCA e conheci jogadores americanos que eu enfrentava desde 2010 e nunca tinha visto o rosto deles. Somos basicamente adversários, que nos enfrentamos a quase dez anos, mas quando se encontra pessoalmente acaba sendo uma festa, pois você fica contente em conhecer a pessoa, que aquele nick agora tem um rosto. Por isso ele é diferente, não vejo isso acontecendo no futebol, por exemplo. Nós sabemos separar as coisas, outro exemplo é enfrentar meus sócios, é quase todos os dias a gente duelando, mas somos amigos, a rivalidade fica só ali na mesa.

Rui Ferreira
Rui Ferreira

Apesar do evento ter superado o garantido, muitas pessoas analisaram como positivo o movimento dos jogadores. Como repercutiu o número final entre vocês?

O objetivo foi alcançado. Passamos a mensagem que queríamos para o PokerStars, que é eles começarem a pensar nas atitudes que estão tomando ou somos capazes de nos juntar. Temos um grupo com cerca de duzentos jogadores que competem no high stakes, só o grupo gera um rake de US$ 30 milhões ao ano.

Somos nós que conseguimos abrir os eventos high stakes acima de US$ 1.000, pois esses torneios possuem um número específico de jogadores para ter o início, se os regulares não registrarem, a competição não abre. O boicote a este torneio foi só para mostrar que conseguimos nos juntar, mas daqui pra frente, se decidirmos que um torneio não vai abrir, ele não acontecerá, não existe a hipótese dele acontecer e tenho certeza que o impacto será ainda maior. O intuito não era para dar overlay, nós sabíamos que isso não aconteceria, mas sim para mostrar que somos uma classe unida.

O PokerStars chegou a entrar em contato com vocês?

Essa pergunta eu não consigo responder, pois estava acompanhando o grupo até um dia depois da realização do evento, mas por causa da viagem de volta para a casa, eu não consegui mais lê-lo, mas os demais sites entraram sim em contato com a gente como o partypoker, 888 e a Winamax. Se não conseguirmos trazer melhoria para o PokerStars, mas trazer para a concorrência acaba sendo muito bom para nós, vamos acabar ganhando de outra maneira.

Esse boicote não foi um evento esporádico? Pode ser que aconteçam mais em um futuro próximo?

Sim, isso vai acontecer, com certeza.

O seu time possui jogadores brasileiros, como é esse intercâmbio? Possui profissionais de outras localidades também?

Todos os jogadores falam português. Nosso time é composto entre 25 a 30 brasileiros, não sei precisar o número, e os que estão com a gente são muito bons e no futuro vão dar muito o que falar.

Rui Ferreira
Rui Ferreira

Qual a sua visão com o nível técnico do poker brasileiro?

É de tirar o chapéu. Os brasileiros estão trabalhando muito bem, principalmente com o surgimento dos times, mudou muito o parâmetro e a qualidade dos jogadores.

No PCA, falei muito com brasileiros, fui jantar com o grupo do [Fabiano] Kovalski e fiquei impressionado com o nível de conhecimento do jogo. Há uns anos não era assim, três anos atrás, não me lembro de tantos brasileiros jogando high stakes e que eram tão bons. Atualmente, existem vários e alguns que surgiram rapidamente, esse trabalho é do país, é louvável.

Você pretende vir ao Brasil para disputar algum evento?

Eu já estive aí de férias, mas o principal intuito de ir ao Brasil é de ir jantar com os meus jogadores. Fazemos isso duas vezes por ano em Portugal, em que vem cerca de cinquenta jogadores. Já conheço alguns jogadores brasileiros há cerca de dois anos, falo com eles online, mas nunca pessoalmente.

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