Ser profissional de poker não é uma tarefa fácil. São anos de dedicação, uma entrega de vida para vencer a variância deste jogo e se tornar lucrativo. Além disso, é preciso convencer familiares e amigos que o baralho é uma profissão, por vezes ingrata, é bem verdade, mas que pode transformar a vida de quem se dedica e trabalha sério.
Carlos Augusto Martins tem 33 anos, mora com a namorada em Campo Grande (MS), mas nasceu na cidade de Umuarana (PR). Ele entrou para a história do poker na última terça-feira (08), quando venceu o 19º Sunday Million de aniversário, tradicional torneio anual do PokerStars. A forra diante de um field de 28.444 entradas, todas no valor de US$ 215, garantiram ao brasileiro uma recompensa de US$ 391.436, definida após um acordo entre os últimos 4 sobreviventes.
Em entrevista exclusiva ao SuperPoker, o novo milionário do poker brasileiro falou sobre o início no baralho, a transição para o profissionalismo, os bastidores do acordo que também rendeu uma excelente recompensa para o compatriota Arthur Torres, 3º colocado para US$ 395.759. Ele também não esqueceu de agradecer todos os familiares mais próximos e os amigos que construiu ao longo da carreira.
Confira a entrevista completa:
SuperPoker: Com quantos anos conheceu o poker? Quem te apresentou? Como foi?
Carlos Augusto: Eu conheci o poker em 2010, 2011 por aí. Com uns amigos mesmo, pelo SBT, vendo a reprise do WPT. Acho que tinha do WSOP também, assistia “Poker After Dark”, comecei por ali e jogando com os amigos, né? Aquela maletinha de fichas, brincando. E aí fui pegando gosto pela coisa. Fui procurando mais informações sobre as primeiras plataformas na época Poker Stars, FullTilt, Everest.
Na época, eu jogava bastante Freeroll, brincando, mas já tinha algum interesse sobre o poker, só que nessa época sempre de forma recreativa mesmo, sabe? Só que quando você vai pegando gosto pelas coisas, e vê que assim, sou pago pelas minhas decisões, gerou um pouco de interesse em buscar mais informações.
Logo no início eu percebi todo o potencial que o poker estava tendo no Brasil e fui buscar material para me aprofundar. Obviamente, foi tudo muito diferente do planejamento que hoje eu teria para estudar e evoluir. Naquela época, os conteúdos eram todos em inglês, então tinha que entender um pouco da língua para poder estudar.
Foi quando saiu a primeira plataforma brasileira, que foi a Universidade do Poker (Clube do Poker), com o Christian Kruel e o Raul Oliveira. Eu peguei metade do meu bankroll e investi nesse estudo, começou assim a dar um norte para mim: ‘nossa tem coisas com base, tem estratégias mesmo, vencedoras e tal’.
Transição para o profissionalismo
SP: Quando decidiu virar profissional? Você tinha algum outro trabalho? Como foi essa transição, recebeu apoio dos familiares, eles entenderam?
CA: Isso foi mais para frente, né? Joguei essa época, comecei a me profissionalizar. Óbvio que eu quebrei. Com isso, decidi juntar um dinheiro para ter um caixa mais saudável, assim eu conseguiria começar, ou retornar nessa “missão” de me profissionalizar. Fui trabalhar de “croupier” para juntar um dinheiro e executar o meu plano.
Comecei pelo sit and go do PokerStars, primeiro os de US$ 1,50 e 45 players, depois os de US$ 2,50 e 180 players. Fiquei um bom tempo jogando assim, comecei a minha trajetória profissional dessa forma, até que um dia eu estava lá e um jogador regular, lucrativo nessa modalidade, me mandou uma mensagem e disse que gostaria de conversar.
Ele tinha um time de poker e perguntou se eu queria jogar para ele em troca de algumas aulas. Naquele momento eu nem pensei duas vezes, eu topo esse tipo de acordo, 50% do lucro por evoluir, melhorar. Eu queria ficar muito bom, escalar limites, me tornar vencedor. Esse foi o primeiro momento que eu tive um contato mais profissional, embora naquela época ainda fosse tudo muito amador.
Tive um instrutor, que me deu aulas. Comecei a ter o primeiro contato com ferramentas de poker… E nessa época eu fazia faculdade, Universidade Federal, por isso tive que tomar uma decisão depois que as coisas começaram a engatinhar. Nada expressivo acontecendo, mas entendendo que as coisas poderiam ser muito maiores, sentei e conversei com a minha mãe e o meu padrasto.
Naquela época, eu pedi para eles um ano, né? Óbvio, um ano não é nada no poker, mas eu pensei: ‘vamos tentar fazer as coisas acontecerem um ano’. Minha mãe ficou meio assim, com receio, mas nunca deixou de me apoiar. Ela falou que se era o que eu queria, então iriamos tentar. Vamos fazer dar certo, eu não vou te jogar um balde de água fria.
Nesse período, eu estava em um ambiente familiar um pouco conturbado, com questão da separação dos meus pais. Foi um ano de tomar decisões para minha vida. Eu tive que ir morar sozinho, assim teria um ambiente mais apto para evoluir. Eu tinha três meses de contas garantidas, estava assumindo um aluguel. Fui com a cara e com a coragem.
Nessa época tinha um blog, chamado “MaisEv” – tem até hoje, mas antes era muito mais movimentado. Eu escrevia lá toda a minha saga, sabe? Era o meu desafio, para as pessoas me acompanharem, servia também como um incentivo. Aquele período foi de muitas traves, a pressão batendo, parecia que o relógio estava ali, acabando o tempo, o meu cronômetro, um timer… Deus, como vai ser? O que eu vou ter que fazer? Largar tudo e voltar para a faculdade?
Passa tudo pela cabeça, né? Você pensa em desistir, mas eu persisti. Faltando duas semanas para acabar o tempo que eu tinha das minhas contas pagas consegui um resultado, num domingo, que para época foi razoável. Era um US$ 1,10 3x Turbo, do PokerStars, com US$ 60 mil garantido. Peguei um 5º lugar, além de um outro torneio que venci, enfim, consegui pagar o meu make-up, sacar algum dinheiro.
Isso me deu um pouco mais de tranquilidade, não foi um dinheiro absurdo, mas foi uma folga. E parecia que foi um sinal para não desistir, continuar fazendo o que fosse preciso. Só que aquele time de sit and go quebrou, foi formado um outro, com sócios daquele time, por isso nessa época que eu fui morar sozinho eu já estava nesse outro time, pequeno, de 3 ou 4 jogadores, um deles inclusive, é o cara que me apresentou o poker, o Roger Savio.
E também tem muito esse negócio de aprovação. Sem hipocrisia, quando as pessoas começaram a ver dinheiro, mesmo que pouco, passei a ter um pouco mais de apoio, elas passaram a entender melhor como tudo funcionava.
Preparação para o torneio
SP: Como foi a preparação para o Sunday Million de aniversário? Teve algo diferente ou você encarou como mais um torneio?
Cara, a preparação para Sunday Million de aniversário é um papo muito louco. Eu tinha algumas estratégias de registro, teve alguns domingos que eu não estava jogando, preferia jogar no sábado, por conta do tamanho dos fields, coisas que gosto de ter esse cuidado. Acho que seleção de torneios é algo extremamente importe, inclusive eu faço esse trabalho dentro do “Suits Poker Team”, a minha função é ser o responsável pela grade de todos.
Nesse domingo eu não jogaria, mas lembrei do torneio e vi que havia ganho um ticket, pelas caixinhas ali do PokerStars. Decidi jogar então, até porque tinha um outro torneio grande no GGPoker, mas sem grandes pretensões, a gente sempre espera o nosso momento chegar, mas nunca sabe quando, só espera e torce para estar preparado quando chegar.
No primeiro dia não tive muitas pretensões, depois que passei com bastante fichas, também não criei expectativas porque seriam mais dois dias de torneio, mas eu encarava assim: ‘pô, beleza, vamos lá, buscar jogar o nosso melhor, fazer ITM, pequenas conquistas ali’. Eu queria fazer o meu melhor mesmo, não fazer nada perfeito, mas jogar o meu melhor e estar em paz com as minhas decisões, sabe?
Esse foi um ponto que desde o início do torneio consegui fazer, aplicar tudo que eu estava estudando, não só para esse torneio, mas para executar tudo da melhor maneira possível, ter isso em mente e estar em paz com as minhas decisões. E foi o que consegui ter, sabe?
No final do dia 2, restavam 30 pessoas, começou aquele frio na barriga. Muita coisa na cabeça, pô, será que vai ser hoje? Será que vai ser mais uma trave? A gente espera o melhor, mas sempre se prepara para o pior. Podia acontecer de tudo, já tenho muitos anos de poker, sei que poderia ser mais uma trave, não seria nem a primeira e nem a última.
Graças ao trabalho com o psicólogo e com os amigos, a minha cabeça estava mais tranquila, independente do que acontecesse, eu só queria estar em paz com as minhas decisões, sabe? Certas ou erradas. Não ter um receio, ou dúvida, do que fosse fazer. Isso eu levei para o dia 3 e me ajudou muito a ter paz de espírito.
O acordo
SP: Ao chegar no 4-handed foi feito o acordo, como foi esse tramite? Era algo que você já esperava?
CA: Eu não estava esperando, mas achava que em algum momento poderia ocorrer esse acordo, até porque é uma premiação muito grande para a maioria dos jogadores. Todos os pay-jump eram muito relevantes. Para você ter noção, meu maior big hit na carreira havia sido US$ 7 mil no partypoker. O primeiro pay-jump no dia 3 já era o meu maior prêmio, sabe?
Eu estava comemorando essas pequenas conquistas. Óbvio, queria o topo, a cravada, as grandes premiações, mas já estava muito feliz. Queria também aproveitar ao máximo aquele momento, a magia, a energia que eu estava sentindo. Vivenciar muito bem as minhas emoções e gerenciar muito bem elas.
Eu já esperava que teria esse acordo, estava disposto a fazer, mas não tinha desespero, até porque depende muito de como chegam os stacks na mesa final. Acho que naquele momento o short stack foi o mais beneficiado, ele acabou ganhando quantias parecidas, mas eu consegui garantir praticamente o dobro que seria caso eu fosse eliminado.
Não tinha nenhuma besta ali, nenhum jogador muito ruim ao ponto de não compensar fazer. Todo mundo sai ganhando nisso. Eu garanti uma premiação maior, acho que foi a coisa mais racional a ser feita. E aí o jogador vietnamita não queria fazer, ele queria de outra forma, não aceitava porque ele tinha mais fichas, só que eu ganhei um pote e os stacks ficaram mais divididos, assim ele acabou topando.
Todo mundo sai ganhando, todo mundo sai feliz. E o engraçado é que foi feito o acordo e na hora eu não realizei nada, não vibrei, porque faltava alguma coisa. Eu queria cravar, eu queria o troféu, queria o título, seria a cereja do bolo. Vamos jogar para cravar, mesmo que não valha mais nada, vale o título, vale a honra e vale a glória.
SP: Você conhece o Arthur, o outro brasileiro que entrou no acordo? Vocês dois foram os únicos brasileiros da mesa final, teve alguma coisa ali de compatriotas ao se enfrentaram, ou era cada um por si mesmo?
CA: Eu não conhecia, sabia apenas pelo nick que era um jogador regular, lucrativo. Mas não teve nada assim, não. Eu sei que ele é um jogador que eu tinha que ter bastante cuidado para me envolver, esperar os melhores momentos. Busquei tomar as decisões mais corretas possíveis, sem deixar a emoção e a ansiedade influenciarem, sem agir por impulso.
Deixa ele lá, eu faço o meu trabalho, ele faz o dele, foi mais ou menos assim. Não teve nada de compatriota, nem nada do tipo, fico muito feliz que ele também tenha alcançado esse resultado na carreira dele, com certeza também foi um momento mágico para ele. Fico muito feliz que as coisas aconteceram como foi e, principalmente, que esse título ficou para o Brasil.
E parabéns, cara. Parabéns, Arthur. Ainda não tive como parabenizar ele, mas fica aqui os meu “congratz” pelo feito dele, foi histórico também.
A comemoração
SP: Como foi quando terminou o torneio e apareceu ali na tela que você tinha vencido. Qual foi a sensação, qual foi a primeira coisa que você fez?
CA: Essa parte foi legal. Eu estava focado, concentrado, quando olhei no Discord do time tinha 50 pessoas me assistindo, que loucura. Eles fizeram uma transmissão ao vivo entre eles, no intervalo eu olhava, todo mundo vibrando a cada mão, foi surreal. A hora que que eu ganhei, não caiu a ficha, eu vibrei muito, estava em êxtase, adrenalina lá em cima.
Fui para o Discord com eles, todos me parabenizando, começou a cair a ficha, a emoção bateu, mas eu só queria ligar para a minha mãe, essa foi a primeira coisa que veio na minha cabeça, eu tinha que ligar e agradecer. Fica um sentimento de cara, venci, mãe, eu consegui. Queria muito mostrar para ela, isso estava no meu peito, na garganta há muitos anos.
Acho que todo jogador de poker sonha um dia com isso. Eu liguei para ela e ainda estava no Discord, fiz uma ligação de vídeo, e o pessoal do time conseguiu ouvir. Foi um momento muito louco, mostrar para minha mãe. Ela até achou que alguém tinha morrido, porque eu estava chorando, eu só queria falar: ‘mãe, eu consegui, fui campeão’.
Ela e o meu padrasto foram pessoas que me deram muito apoio, minha mãe é uma pessoa religiosa, sempre orou muito por mim. Eu sei que teve o medo dela ali no meio, mas é muito bom você se sentir abençoado, poder compartilhar isso com ela viva, presente, isso foi um sonho, sempre sonhei isso e consegui realizar.
Chorei muito, depois eu fiquei sabendo que todos no Discord estavam chorando juntos, minha mãe falando e eu não parava de chorar. Foi um momento que vai ficar marcado eternamente no meu coração. Liguei para o meu irmão, vibrei com os meus amigos, agradeci todo mundo. É uma sensação única na vida, pela vitória em si, é muito louco, simplesmente insano, sabe?
O sentimento era de gratidão por tudo, pelo time, pelo suporte que me deram. Primeiro lugar de 28.444, meu nick, Sunday Million de aniversário. É simplesmente mágico, surreal, nem nos meus melhores sonhos eu imaginaria. Como eu te falei, a gente sempre almeja conseguir isso, mas não sabe quando, só espera estar preparado. E nesse dia eu estava.
O trabalho compensa
SP: Qual a média dos buy-ins dos torneios que você joga? Após uma premiação tão alta, acha que vai subir? O que vai mudar na sua vida e rotina como jogador?
CA: Eu cheguei a jogar um ABI de 30, 35, 40, mas como tenho um planejamento de fazer move ups e move downs necessários – e que todo time tem também – eu estava jogando um ABI mais barato, 16, 17. Não sei se vou subir, mas vai ter o SCOOP, preciso de um planejamento, um passo de cada vez.
Ganhar esse torneio não me faz o melhor jogador do mundo, tenho muito para evoluir, melhorar. Vamos continuar buscando essa evolução, estudando, se dedicando, tudo que eu faço até hoje nada vai mudar, as coisas vão acontecendo como tem que acontecer. Em algum momento isso aconteceu para mim e vai acontecer, pode acontecer com todo mundo que buscar sempre se manter evoluindo e se dedicando no trabalho.
Esforço e trabalho compensam muito. Estou longe de ser um cara talentoso, mas compenso tentando fazer o meu melhor. Não tem como não falar que a questão financeira vai me dar uma tranquilidade muito grande, querendo ou não para um jogador de poker isso é uma variável que tem um peso enorme na equação.
A pressão de ter resultado, dinheiro, é um peso psicológico. Essa vai ser a principal mudança mesmo na minha vida, esse divisor de águas. E a rotina eu acredito que não mude nada, não vou fazer nenhum passo maior que a perna, vou continuar fazendo o que eu faço, talvez buscando ali dar um passinho pequeno agora, melhorando, evoluindo e constatando que teve evolução a gente vai dando pequenos passos, mas nenhum maior que a perna não.
Agradecimentos
SP: Com quem você dividiria a gloria de ser campeão desse torneio?
CA: Provavelmente eu vou esquecer de alguns nomes, mas eu queria citar alguns. Primeiro a minha mãe, dividir isso com ela, acho que é o top desejo que eu tinha. Tem a questão de querer provar, mas é mais uma questão de conseguir, a reza valeu muito a pena, todo o esforço, obrigado por não desistir de mim. Mostrar para ela e o meu padrasto foi algo mágico, mas também para o meu irmão, que sempre torceu por mim, que me inspira em outras partes.
Vou falar também do time, queria dividir com todos eles. Foram fundamentais para isso acontecer da forma que foi. Muito obrigado todo o pessoal do time… Suds, Salvo, Lincoln, Pantoja, todos vocês,
A minha namorada, que sempre tá aqui comigo do meu lado, me apoiando, que topou viver essa loucura junto comigo. Queria agradecer ela por estar do meu lado nos dias difíceis, e agora nos dias bons também.
Ao Roger Savio, o cara que iniciou isso tudo comigo, vivenciou os momentos mais difíceis da minha vida. Você é meu psicólogo, meu professor. Ao Dan e o Mazu também, sem palavras. O Hétor Sesco, o Saulo, o Lelo, Pigão, Batata, são tantas pessoas que dividiram trincheira comigo.
Só queria agradecer, do fundo do coração, para você que torceu por mim, para você que vibrou junto comigo, que torceu por cada mão, por cada pote ganho, fica meu sentimento eterno de gratidão, por você ter acreditado em mim. Gratidão eterna mesmo.